Cap.IV - Cosmosofia e Cosmoterapia

A Filosofia Univérsica ou Cósmica pode denominar-se também COSMOSOFIA, ou seja , Sapiência Cósmica.

Se o homem possuísse sapiência cósmica, não necessitaria de COSMOTERAPIA, cura pelo cosmos, porque nada haveria que curar. O homem cosmificado seria um homem integralmente são e sadio, na alma, na mente, no corpo. O Universo é a fonte de todos os bens.

Quando o homem necessita de terapia ou cura, é porque não está harmonizado com o cosmos, a fonte dos bens; o seu "verso" finito não está em perfeita sintonia com o "uno" infinito. Ou, em linguagem de moderna psicologia, o homem-ego não está em sintonia com o homem-Eu, entendendo-se pelo homem-Eu a forma individual do Cosmos Universal. Devido a esta dissintonia, pode haver maldades e males no homem-ego. A maldade, resultante do abuso do livre-arbítrio do homem-ego, é a causa dos males, que são o efeito ou consequência da maldade.
A maldade livremente cometida acarreta os males necessariamente consequentes - é esta a grande lei do karma, de causa e efeito.

Os males (sofrimentos) são a sanção ou reacção cósmica contra a maldade do homem-ego. Pode o homem opor-se ao Cosmos, graças ao seu livre-arbítrio (imperfeito), mas, uma vez estabelecida essa desarmonia entre o ego e o cosmos, é inevitável a reacção deste contra aquele. Esta reacção cósmica contra o ego é o mal, o sofrimento, a doença, a morte, em todas as suas formas.

Desta filosofia cósmica temos um esboço no Génesis de Moisés, que viveu cerca de milénio e meio antes de Cristo.

Seis séculos antes da era cristã, elaborou Gautama Siddhartha, o Buda, as "Quatro Nobres Verdades", sobre a origem e o fim do sofrimento.

Pelos meados do primeiro século da nossa era, proclamou Paulo de Tarso essa mesma verdade, nas regiões do Oriente Médio e no Sul da Europa, afirmando que a morte é fruto do pecado.

Enquanto houver egoidade anticósmica haverá males. E ainda que o homem individual deixe de cometer maldade, os males continuarão sobre a face da terra, enquanto a humanidade colectiva continuar a praticar maldades.

A maldade de todos é o mal de cada um.

O débito colectivo da humanidade é o sofrimento individual de cada homem.

Verdade é que o homem individual não pode herdar a maldade colectiva, mas pode sofrer o mal individual que a maldade colectiva semeou.

O homem colherá o que a humanidade semeou.

A humanidade jaz no maligno, afirma a Bíblia.

O príncipe deste mundo - diz o divino Mestre - que é o poder das trevas, tem poder sobre vós.

Enquanto a humanidade continua a jazer no maligno, cometendo maldades; enquanto o príncipe deste mundo, a egoidade anticósmica, mantiver essa sua atitude maléfica, não deixará de haver males para o homem individual, porque a solidariedade do género humano é um facto, não só no bem, mas também no mal. "Se um único homem - escreve Mahatma Gandhi - chegar à plenitude do amor , neutralizará o ódio de muitos milhões". Inversamente, poderíamos acrescentar: se um único homem descer às profundezas da maldade , fará mal a muitos milhões. E ainda: se milhões de homens praticam maldades, fazem mal a muitos homens, suposto que estes não se tenham imunizado devidamente contra o impacto das maldades alheias.

Só deixará de haver sofrimento individual quando a humanidade colectiva deixar de praticar maldades.

O homem individual, vítima de males provindos da maldade colectiva, é chamado pelo Cristo "filho de mulher". Por "mulher " entende ele o organismo materno da humanidade colectiva. O homem comum, seja profano, seja místico, é um homem seminato , mas não um homem pleni-nato ; é "filho de mulher" , e não "filho do homem". Quando uma criança deixa o organismo materno, mas ainda continua presa a este por meio do cordão umbilical, através do qual recebe o sangue vitalizante da mãe, ela é apenas seminata. Só depois de cortado o cordão umbilical, é que a criança é pleni-nata, possui vida autónoma, independente do organismo materno.

O homem comum é "filho de mulher" , prole da humanidade colectiva, no sentido de não ter ainda nascido plenamente, de não possuir ainda autonomia total, de não ser ainda um pleni-Eu, porque ainda ligado à egoidade maléfica da humanidade que "jaz no maligno". O sangue da humanidade flui ainda através das artérias do homem comum, seja profano, seja místico. Verdade é que o homem espiritual, místico, santo, já não é mais autor de maldades, como o homem profano e pecador, mas, devido à sua seminascença, continua a ser afectado pelos males dos maus, porque sofre a solidariedade maléfica do organismo materno da humanidade pecadora; o sangue da humanidade-ego continua a circular nas veias desse homem seminato. Livre de maldades próprias, continua a sofrer os males das maldades alheias, a pagar as dívidas dos outros.

A identidade desse homem, diria Bergson, não passou ainda a uma completa alteridade. Ele é ainda semi-identificado com a humanidade-ego, e por isto ainda é "filho de mulher" . "Filho do homem" seria o homem que vivesse a sua total alteridade , a sua pleni-nascença, a sua perfeita autonomia espiritual, à luz do EU crístico.

O homem místico, poderíamos dizer, é como um avião que saiu do hangar e está correndo na pista do aeroporto, tentando descolar – mas ainda está preso à terra pela lei da gravidade universal; mesmo correndo na pista, continua sujeito a essa tara, que tenta neutralizar. Só depois de descolar e voar livremente é que o avião se sente impelido por uma força centrífuga , antigravitacional. Esse avião no ar seria comparável ao homem cósmico, ao "filho do homem" ; no hangar e na pista ele é ainda "filho de mulher" , da mãe terra, vítima da tara da gravidade. No hangar ele é non-nato; na pista é seminato; só no ar é pleni-nato.

Enquanto o avião está parado no hangar, ele poderia ignorar a gravidade terrestre; mas , quando começa a correr na pista , verifica a luta entre a gravidade da atracção terrestre e a força de repulsão das turbinas ou hélices rumo às alturas. De modo análogo, pode o homem totalmente profano ignorar a sua profanidade; mas o homem que iniciou a sua carreira espiritual sabe como é difícil descolar rumo às alturas, descolar-se das coisas da terra, às quais o ego o "cola" tão firmemente, de maneira que a "descolagem" é sumamente dolorosa. O velho ego é mesmo um "cola-tudo".

O homem que, de seminato, passasse a ser pleni-nato, deixaria de sofrer compulsoriamente os males pelas maldades alheias – mas poderia, se quisesse, sofrer esses males voluntariamente. Sofreria não por anánke (necessidade), mas por agápe (amor, liberdade). O alo-determinismo dos sofredores compulsórios transformar-se-ia na autodeterminação do sofredor espontâneo, como aconteceu no caso de Jesus, o Cristo, o único "filho do homem" que até hoje apareceu sobre a face da terra.

João Baptista, segundo o testemunho do Nazareno, é o maior dentre os "filhos de mulher" . A expressão "filho do homem" aparece 82 vezes nas páginas do Novo Testamento, e sempre aplicada exclusivamente ao Cristo.

"Filho do homem" significa, pois, o homem plenamente realizado, o homem cósmico, o homem integral, perfeito na alma, na mente e no corpo.

Pode o "filho do homem" , como dizíamos, sofrer espontaneamente os males, mas não os sofre obrigatoriamente; sofre por querer ,e não por dever. Podem os outros sofredores sofrer com resignação, mas não sofrem voluntariamente. João Baptista não foi degolado por querer; Paulo de Tarso não sofreu morte violenta por sua livre escolha; Francisco de Assis não morreu de tuberculose por querer; Mahatma Gandhi não foi assassinado por sua livre vontade; Ramana Maharishi não morreu de câncer porque quisesse; John Kennedy, Luther King e outros não foram mortos por querer, mas por dever, pelo querer dos outros. A sua espiritualidade não os preservou de sofrimentos e morte compulsória, porque todos eles, mesmo os mais espiritualizados, continuavam a ser, como João Baptista, "filhos de mulher", semi-natos.

O único "filho do homem" que conhecemos não sofreu compulsoriamente; sofreu não por anánke (necessidade), mas por agápe (amor); e ele insiste em frisar esta plena liberdade do seu sofrimento e da sua morte ; "Ninguém me tira a vida; eu deponho a minha vida quando eu quero, e retomo a minha vida quando eu quero." Quantas vezes quiseram os seus inimigos matá-lo , apedrejá-lo, mas não o conseguiram, porque ele não o permitia – ainda não era chegada a hora.

Podem os sofredores compulsórios funcionar como semi-redentores da humanidade devedora – mas somente o sofredor espontâneo é um pleni-redentor – precisamente por ser um pleni-redento.


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Voltando ao nosso ponto de partida: a verdadeira cosmosofia liberta o homem de qualquer maldade. Se a humanidade colectiva praticasse cosmosofia, toda ela seria liberta de maldades e, consequentemente, também os homens seriam libertos de males. O reino dos céus seria proclamado sobre a face da terra; haveria um novo céu e uma novo terra, segundo as palavras misteriosas do Apocalipse.

E, neste caso, nenhuma terapia teria cabimento. A vitória da cosmosofia tornaria supérflua a cosmoterapia.

Por enquanto, a cosmosofia só poderá libertar o homem das maldades livremente cometidas.

É este o primeiro passo, importante, que a cosmosofia pode realizar, e que está ao alcance de cada um de nós. A Filosofia Univérsica pode levar o homem a uma perfeita harmonia ou sintonização com o cosmos, com o grande UNO , com a alma do Universo, que as religiões chamam Deus. Quando o "Verso" do homem-ego estiver sintonizado com o "UNO" do homem-Eu, então cessará a maldade, e, se essa cessação for total, cessarão também os males.

" Eu já venci o mundo."

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