Cap.V - Logoterapia e Cosmoterapia



V ictor Frankl é o campeão da Logoterapia. O que ele diz , sobretudo no seu livro Terapia das Neuroses, apresentando a logoterapia e a introdução à análise existencial, ultrapassa e complementa tudo quanto, até agora, fizera a psicoterapia. O Logos mental-racional é mais poderoso que a Psyché vital.

Joel Goldsmith, de Honolulu, usa o mesmo processo de logoterapia, que ele chama "A arte de Curar pelo Espírito". Frankl é médico, Goldsmith foi um simples negociante, que, quase à sua revelia, se tornou curador.

Ambos,porém,usam o mesmo processo fundamental: evocam, das profundezas do homem, um poder real, mas, geralmente, dormente e desconhecido; e esse poder interno do homem, uma vez acordado, neutraliza os males.

Séculos atrás, dizia Paracelsus : "As doenças vêm da natureza, mas a cura vem do espírito ", entendendo por natureza o homem-ego, e por espírito o homem-Eu.

Frankl , como médico, cientista e psiquiatra, prepara o doente e torna-o receptivo para a realidade benéfica do Logos, que neutraliza as facticidades maléficas, chamadas doenças.

Em Goldsmith observamos o fenómeno estranho de que o poder focalizado no próprio curador é que cura o doente, sem que o doente preste a sua cooperação. A cura dá-se a qualquer distância, instantaneamente, sem que o veículo curador conheça sequer o nome do doente ou da doença. Aliás, Goldsmith insiste em asseverar que não é ele que cura, mas que é unicamente a Consciência Infinita, que, através dele, actua como por um canal finito.

Pouco importa a diversidade do procedimento terapêutico; todos admitem duas coisas como base e ponto de partida :

1. que existe no homem uma realidade positiva, sadia, benéfica, que não é atingida pelas facticidades negativas, doentias, maléficas;

2. que as facticidades negativas do homem, chamadas doenças ou males em geral, podem ser influenciadas positivamente por aquela realidade benéfica e, se assim acontecer, a realidade benéfico-positiva neutraliza as facticidades maléfico-negativas.

Com outras palavras: o Real realiza o Factual. E como o Real é benéfico, beneficia o Factual maléfico. A luz lucifica as trevas ; mas as trevas não entravam a luz.

O problema da Logoterapia está em como fazer actuar o Real positivo da saúde sobre o Factual negativo da doença; como produzir um impacto ponderável da luz sobre as trevas, do bem sobre o mal, do positivo sobre o negativo.

E é aqui que entra em cena a misteriosa palavra consciência, ou consciencialização. A palavra consciência ou consciente é composta do radical ciência ou ciente e do prefixo com, que denota relação ou companhia. A consciência é pois, uma relação entre dois, entre um cognoscente e um cognoscível (ou cognoscido, conhecido).

Quem se torna consciente de algo, lança uma espécie de ponte, estabelece um vínculo entre o sujeito cognoscente e o objecto cognoscível; no nosso caso entre o homem Finito e o Infinito.

O Infinito está presente em todos os Finitos, assim como a Vida está presente em todos os Vivos.

Mas, a simples presença objectiva do Infinito no Finito não é consciência; é necessário que o homem, no qual o Infinito está, se torne ciente dessa presença, que seja subjectivamente consciente dessa Realidade Infinita, que está objectivamente presente.

A solução do problema está, pois, na consciência da presença. O homem deve sentir, viver, vivenciar a Realidade da presença do Infinito nele – deve ter a consciência desta presença.

Esta consciência ou consciencialização nítida da presença de Realidade Infinita no homem é que é a base da logoterapia.

A Realidade Infinita presente no homem, embora em forma finita, é o Logos ; a consciência da presença do Logos, quando profundamente vivida, canaliza as águas vivas dessa Fonte através dos canais idóneos. Pode o ego produzir os males, mas somente o Eu pode crear o bem; e, em face do bem, não há males, assim como na presença da luz não existem trevas.

É inútil lutar contra as trevas do mal – é necessário e suficiente acender a luz do bem.

Na logoterapia não se trata de invocar algum poder externo, algum Deus de fora, para que a sua presença benéfica neutralize os poderes maléficos. Quase toda a humanidade chamada cristã, espiritual, crente, vive há séculos, praticando essa invocação de um poder ausente e transcendente - e os males continuam porque a ilusão continua.

O que é necessário, e também suficiente, é evocar um poder interno, presente, sempre-presente, embora geralmente ignorado e, por isso mesmo, inoperante. Essa evocação do poder presente não tem a função de combater e derrotar outro poder, contrário, porque não existem poderes no plural; só existe um único poder, no singular, e esse poder é bom e benéfico. Onde há luz não há necessidade de combater as trevas, porque a treva inexiste onde a luz existe, a treva está ausente onde luz está presente. Portanto, nada há que negar, combater, derrotar – basta afirmar, consciencializar, viver plenamente a realidade positiva e benéfica – e não haverá nenhuma realidade negativa e maléfica.

Não basta, todavia , a simples presença objectiva desse poder positivo no homem; não é a sua simples presença como tal que liberta o homem dos seus males – é necessário e indispensável que o homem tenha plena, pleníssima consciência da presença desse poder bom dentro de si. É essa consciência da presença do poder bom no homem que produz, o efeito benéfico em sua vida.

Consciencializar intensamente a presença do único poder real e positivo – eis a chave mágica para neutralizar todos os males, que não passam de ausências, e não são presença. Presença é somente o bem, e onde há presença não há ausência; onde há luz não há trevas; onde há positivo não há negativo.

Por mais espessas que sejam as chamadas trevas numa sala, na presença da plenitude da luz desaparecem todas as trevas; não há motivo algum para combater as trevas, varrendo-as para fora, ou matando-as com a espada. Não se pode varrer ou matar a ausência - basta chamar a presença, e a ausência acabou. A luz é, por sua natureza, lucificante; basta que a deixemos agir de acordo com a sua própria natureza – e tudo é luminoso. Não há possibilidade de coexistência entre luz e treva.

De modo análogo, em se tratando de logoterapia, não é necessário combater, destruir alguma coisa real; porquanto o negativo e irreal não é alvo de hostilização, por ser inexistente em si, embora o nosso ego ilusório lhe dê uma pseudo-existência, que actua como se fosse uma verdadeira existência, enquanto o ego ilusório exerce o poder da sua ilusão.

Toda e qualquer tentativa de debelar o mal por meio duma luta directa, é ridículo dom-quixotismo, lembrando a luta que o famoso cavaleiro de triste figura travou, uma noite, contra um suposto regimento inimigo – e de manhã, inspeccionando o campo de batalha, viu que lutara contra moinhos de vento, isto é, contra um inimigo imaginário, inexistente na realidade e pseudo-existente apenas na imaginação de Dom Quixote.

O nosso ego é visceralmente dom-quixotesco, e esse dom-quixotismo perpetua-se através de séculos e milénios. Os pseudo males atormentam-nos unicamente porque o nosso ego dom-quixotesco os considera como males reais. E, sendo que o " homem é aquilo que pensa no seu coração", como diz a Bíblia, ele é vítima de males porque assim pensa e crê no seu coração. " Eu sou livre de tudo o que sei – escreve Spinoza - mas sou escravo de tudo o que ignoro". Enquanto o homem ignora a verdade sobre si mesmo, ele é vítima e escravo desta sua ignorância. "Conhecereis a Verdade – disse, o maior dos Mestres – e a verdade vos libertará"



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De acordo com os modernos, usamos o termo "logoterapia".

Entretanto , seria talvez preferível dizer cosmoterapia. Entendemos por cosmos o Universo em toda a sua inteireza e integridade, tanto no seu factor Uno como no seu factor Verso , tanto na sua Realidade causante (Uno) como nas suas Facticidades causadas (Verso) . Esse Uno da Essência manifestado no Verso das Existências , é que denominamos Universo ou Cosmos.

Universo ou Cosmos é, pois, a síntese do Real e do Factual, da Essência e das Existências, do Infinito e dos Finitos.

Ora o que se dá no macrocosmo sideral, também acontece no microcosmo hominal: tanto aqui como lá, o Uno actua através dos diversos, o Real se revela nos Factuais.

Se houvesse apenas o Uno sem o Verso, teríamos monotonia.
Se houvesse Verso sem Uno, teríamos caos.

Mas como o Universo é Uno no Verso, unidade na diversidade, estamos diante duma grandiosa harmonia.

Nem monotonia unitária.

Nem caos diversitário.

Mas harmonia universal, univérsica, cósmica.

Essa harmonia univérsica, resultante da unidade na diversidade, é o característico de todos os reinos da natureza, mineral, vegetal, animal.

Com o advento do homem – inicialmente, do homem ego – apareceu, no cenário cósmico, novo actor – apareceu o fenómeno estranho e misterioso que chamamos consciência ou livre-arbítrio
Que é livre-arbítrio ?

Livre-arbítrio, disse alguém, " é o poder de ser causa própria ".

Livre arbítrio não é determinismo, nem indeterminismo – é autodeterminação. Não é ausência de causalidade (indeterminismo) , mas presença de uma causalidade interna, em vez de uma causalidade externa (determinismo).

Autodeterminação é um factor determinante; alo-determinismo é um facto determinado.

Fora da zona hominal, todos os seres obedecem a um poder alheio, a uma causação extrínseca; tudo é alo-determinado, nada é auto-determinante.

Somente na zona hominal há poder próprio, causa intrínseca, auto- determinação; em vez da heteronomia do mundo infra-hominal, temos a autonomia do mundo hominal.

Acontece, porém, que, nesse primeiro estágio de homificação, que é o homem-ego, o livre-arbítrio assume um carácter separatista, hostil, anticósmico; o homem-ego, sentindo-se autónomo, considera-se desligado do Uno e tenta proclamar um Verso separado, independente do grande Todo Cósmico. O homem-ego, consciente e livre, diz ao Cosmos: o meu ego deixou de ser uma peça da grande máquina cósmica e constituiu-se numa entidade independente! eu, o ego, sou uma nova máquina cósmica – eu sou o cosmo! tudo me deve servir!.

Esta atitude que o ser hominal assume, na origem da sua homificação consciente (ou semiconsciente), é o célebre "pecado original", o erro da origem do homem-ego, do qual só o poderá redimir um poder superior, que é o homem-Eu.

Se há no homem um elemento luciférico, então é o seu semiconsciente livre-arbítrio.

Se há no homem um factor crístico, então é o seu pleni-consciente livre-arbítrio.

No presente estágio evolutivo, o grosso da humanidade acha-se no plano do homem-ego.

Mas, como o homem-Eu dormita nas profundezas do homem-ego, assim como a planta dorme na semente, existe a possibilidade de evocar o homem-Eu das profundezas do homem-ego, e assim fazer brilhar a luz do bem nas trevas do mal.

E é precisamente neste processo que consiste a logoterapia, que, neste caso, assume o carácter integral de cosmoterapia.

Os grandes génios da humanidade, como Moisés e Gautama, o Buda indicaram isto em seus escritos: o homem-Eu, que é o homem cósmico, existe implicitamente no homem-ego; mas, enquanto este se acha em consciência explícita, e aquele dorme incubado em consciência implícita, os males que vêm do homem-ego imperam sobre o bem, que é o homem-Eu. Durante o período do ego eclodido e do Eu incubado, "o mundo jaz no maligno", no dizer da Bíblia; "o príncipe deste mundo tem poder sobre vós , mas sobre mim ele não tem poder, porque já venci o mundo", como diz o representante máximo do homem-Eu, o chamado "filho do homem".

A cosmoterapia evoca o homem-Eu das profundezas do homem-ego, opera uma eclosão do Eu após sua longa incubação.

1 comentário:

  1. Muita sabedoria resumida de forma concisa, lógica e bem inteligível. Um prazer de ler enentender.

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