Cap.III - Que é o Cosmos?

Nestes últimos decénios, a palavra "cosmos" tornou-se um termo popular. Os nossos cosmonautas perlustram os espaços cósmicos.

Entretanto, nas páginas deste livro sobre "cosmosofia" e "cosmoterapia", a palavra cosmos não coincide integralmente com esse sentido científico-popular. Não nos referimos, em primeiro lugar, ao espaço físico, sideral, ao corpo visível do cosmos, mas antes à sua alma invisível.
Kósmos é a palavra grega correspondente ao termo latino mundus.

Kósmos é o radical de um vocábulo que quer dizer "belo" (cf. cosmético).

Mundus quer dizer "puro" (cujo oposto é immundus, impuro).

Entretanto, o termo latino que com maior precisão designa o carácter do kósmus ou do mundus é a maravilhosa palavra Universo, composta de uno e (di) verso: ou seja, unidade na diversidade, que é harmonia.

Se o mundo fosse apenas unidade (sem diversidade), seria monotonia.

Se o mundo fosse apenas diversidade (sem unidade), seria caos.

Mas como o mundo é unidade na diversidade, ou diversidade na unidade, ele é a mais grandiosa expressão da harmonia.

O cosmos é, portanto:

beleza ,

pureza ,

harmonia.



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O elemento uno indica a Essência, una, infinita do cosmos, aquilo que as filosofias e religiões entendem, ou deveriam entender, por Divindade, Brahma, Tao, o Absoluto, o Infinito, o Transcendente, a Causa-Prima, etc.

O elemento verso significa as Existências múltiplas do cosmos, os finitos, as criaturas, os efeitos individuais produzidos pela Causa Universal. Versos, é, aliás, o particípio passado do verbo latino vértere (verter, derramar), indicando aquilo que foi vertido, derramado pelo centro da Essência rumo às periferias das Existências.

A palavra "existência" - deriva de ex (fora) e sistere (pôr) - tem o mesmo sentido : a existência é aquilo que foi posto para fora, isto é, Existência manifestada pela Essência. A Realidade revelada em Facticidades.

A Realidade Infinita " é ".

As Facticidades Finitas apenas " existem ".

O Universo é, pois, um composto de "Ser " e de " Existir ", de Realidade e Facticidades, de Causa e Efeitos, de Essência e Existências, de Uno e Versos, de Infinito e Finitos.

Quando, nas páginas deste livro, nos referimos ao Cosmos como poder curador - como cosmoterapia – entendemos por Cosmos a Essência do Universo, que produz os "Versos" das Existências.

Aliás, a Essência una do cosmos, sendo perfeita vida e saúde, não poderia jamais ser objecto de terapia. Somente na zona das Existências múltiplas é que pode haver necessidade de cura ou terapia.

O Uno do Universo também se pode chamar a Divindade, cuja manifestação é Verso, é Deus (1), ou mesmo os deuses. Na linguagem comum, usamos frequentemente a palavra "Deus" em vez de "Divindade", porque a Divindade Transcendente não é objecto do nosso conhecimento humano; somente como Deus Imanente pode a Divindade Transcendente ser cognoscível.

Deus, ou deuses, são manifestações individuais da Divindade Universal. São Existências Finitas projectadas pela Essência Infinita.


(1) A palavra "Deus" (Theós,Zeus,Dyaush) vem de "divos", que quer dizer "luminoso"
Também a electrónica dos nossos dias chegou à conclusão de que a luz, e as suas partículas sub-atómicas, são a base de todas as coisas do Universo físico. Tudo é "lucigénito" , e por isto tudo é "lucificável". Aliás, Moisés, há mais de três milénios antes de Einstein, já dissera que "no primeiro período (yom) Deus fez a luz"; e dessa luz primeva foram feitas todas as outras coisas.



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Que se deve, pois, na realidade, entender por Deus ou Divindade ?

Deus (no sentido de Divindade) é a Realidade única e invisível presente em todas as Facticidades várias e visíveis.

Deus é a Luz cósmica que gera todas as energias e matérias.

Deus é o único Poder do Universo que tudo crea e sustenta.

Deus é a Harmonia que rege todos os seres.

Deus é a Vida que anima todos os seres vivos.

Deus é a Inteligência que orienta os átomos e os astros.

Deus é a Benevolência que ama todas as creaturas do cosmos.

Ora, sendo que o Universo, em sua Essência una, é tudo isto - Realidade, Luz, Poder, Harmonia, Vida, Inteligência, Benevolência - segue-se que o Universo também se manifeste, em suas Existências várias, como Realidade, Poder, Harmonia, Vida, Inteligência, Benevolência, porque tal o Efeito qual a Causa.

A concepção teológica dualista de que Deus seja alguma entidade justaposta ao Universo, algo fora do cosmos , algum indivíduo, alguma pessoa, é certamente a mais primitiva e infantil de todas as ideologias da humanidade.

A Essência do cosmos é idêntica à Divindade, embora a sua Existência seja não-idêntica. O cosmos existencial pode dizer "Eu e a Divindade somos um, mas a Divindade é maior do que eu".
A Essência Infinita está em todas as Existências Finitas, embora não haja total identidade entre Essência e Existências, porque aquela é sempre maior do que estas, mesmo maior do que a soma total das Existências, porquanto a Essência é Realidade qualitativa, ao passo que as Existências, por maiores e mais numerosas, nunca deixam de ser meras Facticidades quantitativas.

O erro das teologias dualistas ocidentais está em estabelecerem separação entre o Uno da Essência Infinita e o Verso das Existências Finitas.

O erro de certas filosofias panteístas orientais está em admitirem total identidade entre Essência e a soma total das Existências, identidade sem alteridade.

O dualismo admite transcendência sem imanência .

O panteísmo professa imanência sem transcendência .

O monismo cósmico, porém, que admitimos, reconhece imanência com transcendência, identidade com alteridade .

Ora, uma vez que é metafìsicamente certo que a Essência Una do Universo (Divindade) está presente em todas as Existências Várias do Cosmos (creaturas), segue-se, com matemática precisão e evidência, que a vida e saúde da alma do Universo está presente em todos os corpos do mesmo. E, enquanto nada impeça a actuação dessa presença, ela manifesta-se infalivelmente .
Pergunta-se se pode haver algo capaz de impedir a manifestação dessa alma do Universo através dos seus corpos; pergunta-se se alguma Existência Finita pode impedir a manifestação da Essência Infinita.

Por mais estranho que pareça à primeira vista, esse algo impediente existe. Há um sector no Universo dos Finitos, no mundo das Facticidades, onde a vida e saúde da Essência Infinita, da Realidade, pode ser impedida, diminuída, onde a presença do Uno benéfico não mais se manifesta no Verso. E então aparece algo mau e maléfico nesse Verso, nos Finitos.

Este sector, como foi dito, é o chamado livre-arbítrio, ou simplesmente a liberdade.

Uma creatura finita dotada de livre-arbítrio pode frustrar, não a presença do Creador Infinito, mas sim a sua creatividade e a sua actuação benéfica nos Finitos.

A creatura livre é, por assim dizer, bivalente: positiva e negativa; pode cooperar com a Essência Infinita, e pode também opor-se à actuação dessa Essência.

O livre-arbítrio é o maior dos privilégios - mas é também o maior dos perigos.

Ora, acontece que, no plano da evolução histórica do Universo, surgiu uma creatura dotada de livre-arbítrio: o ser hominal.

Mas esse ser hominal, o homem, apareceu com um grau ínfimo de livre-arbítrio, com uma liberdade muito imperfeita. Depois de superar a zona meramente vital do mundo infra-hominal, esse ser entrou na zona do mental, onde a bivalência negativo-positiva se manifesta de preferência como pólo negativo. O ser hominal, ao aparecer no cenário da história, apareceu como negativamente livre, livre de alguma coisa , mas sem saber para que era livre. Livre da escravidão do instinto vital do mundo infra-hominal, graças ao poder mental, mas ainda não plenamente livre para um fim racional (espiritual).

Essa zona mental é do homem-ego, primeira etapa evolutiva do ser hominal e na qual o grosso da humanidade se acha até hoje: o homem-ego sente-se livre de , mas não se sabe ainda livre para que e perante quem.

É esta, a zona crítica da liberdade sem responsabilidade.

Todos os males da humanidade podem ser sintetizados neste binómio: liberdade sem responsabilidade.

Neste plano, o homem age livremente em nome do seu ego separatista, e não age responsavelmente em nome do seu Eu unitivo; age egoicamente, não age cosmicamente. E, como todo o mal está na egoidade unilateral e como todo o bem está na cosmicidade onilateral, segue-se com a lógica férrea da lei inexorável que o homem, no plano da egoidade sem cosmicidade, não pode deixar de ser vítima dos males produzidos por essa egoidade separatista, e nessa zona dos males perseverará o homem enquanto não despertar nele a consciência da sua cosmicidade unitiva, única capaz de o redimir dos males.

A união cósmica é a verdade, a separação egóica é uma ilusão.

A ilusão produz os males, a verdade produz os bens e liberta-nos dos males. Ilusão é treva, verdade é luz – as trevas só poderão ser dissipadas pela actuação da luz.

A verdade é o conhecimento consciente da Realidade, da Essência, do Uno do Universo. Conhecer esta Realidade é a verdade, e esta verdade conhecida é libertadora – "conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará".

Os males da vida humana são, portanto, produto do ego ilusório, e só poderão ser abolidos pelo despertar do Eu verdadeiro. É perfeitamente inútil e totalmente impossível querer abolir os males ego-produzidos pelo próprio ego, por mais inteligente que ele seja. Nenhum ego pode libertar-nos dos males a que o ego nos escravizou. Escravatura não abole escravidão; escravocrata faz escravos, mas não liberta escravo. Enquanto o homem escravizado pelo ego ilusório não ultrapassar a dimensão dessa egoidade ilusória e escravizante, não haverá redenção dos males que a egoidade engendrou. Querer libertar o ego pelo ego, é funesto círculo vicioso, em que a humanidade vive há milhares de anos. Pode o ego modificar os sintomas dos males por ele criados, mas não os pode erradicar e abolir definitivamente, enquanto não entrar na nova dimensão do Eu redentor.

Na natureza infra-hominal o Uno do Universo age directamente, sem encontrar obstáculo, porque a Natureza não possui suficiente liberdade para opor obstáculos à actuação do poder cósmico.

Com o aparecimento do factor consciente ou semiconsciente do ser hominal, em sua fase mental, surgiu a possibilidade duma obstrução; o homem ego pode fechar os seus canais ao influxo da fonte cósmica.

Essa obstrução dos canais ocorre sempre que o ego hominal considera a sua egoidade como fonte da própria Realidade, do Poder, da Vida e Saúde. Esta ilusão egóica é a razão porque o homem sofre os males. A ilusão separatista do ego obstrui os canais entre o homem e o cosmos.

A libertação desses males é possível unicamente pela transição da ilusão para a verdade, porque só a consciência da verdade liberta o homem dos males que a inverdade criou nele.

A verdade porém é esta: Eu e o Infinito (Pai) somos um; o Infinito está em mim, e eu estou no Infinito; as obras que eu faço não sou eu (o ego finito) que as faz, mas é o Infinito em mim que as faz.

Quando o homem se convence definitivamente de que o seu ego humano não é Fonte, mas canal, que deve estar ligado conscientemente à Fonte, ao Infinito, ao Uno, ou Único, à Essência, então fluem para dentro dele, e através dele, as águas da Vida, da Saúde e Felicidade.

A presença objectiva da Vida, Saúde e Felicidade é um facto permanente e universal; mas a consciência desta presença é um problema. Enquanto o homem não tiver a consciência nítida desta presença cósmica, não será liberto dos seus males. O homem pode ter câncer, paralisia, tuberculose, lepra ou outra doença, dentro da presença e omnipresença da Vida, Saúde e Felicidade do Cosmos; pode também ser o maior dos malfeitores dentro desta presença. O que o redime desses males e dessas maldades não é o facto objectivo da presença cósmica, é, sim, a consciência subjectiva dessa presença.

O homem-ego ignora essa presença - o homem-Eu sabe dessa presença cósmica, divina. Por isto, somente a verdade do Eu pode redimir o homem da ilusão do ego.

Auto-Realização e cosmoterapia são manifestações da consciência da presença de Deus no homem.

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